Escolhida por Lula para comandar o Turismo tem vínculo político com miliciano e nega compactuar com crimes. Seu entorno também enfrenta suspeitas no governo do Rio e em Belford Roxo.
Daniela Carneiro integrou a última leva de ministros escolhidos por Luiz Inácio Lula da Silva para o seu terceiro mandato. Seu nome começou a ser ventilado para assumir o Ministério do Turismo momentos antes do anúncio feito em 30 de dezembro de 2022. Até então, a alcunha pela qual conhecia era outra e remetia a seu berço político: Daniela do Waguinho.
Reeleita deputada federal, ela é esposa de Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho, prefeito de Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Ambos são filiados ao União Brasil e fizeram campanha por Lula no segundo turno contra Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais.
A ida de Carneiro para o governo foi costurada após um impasse sobre os indicados do União Brasil para o ministério de Lula. O petista conta com o partido, que tem a terceira maior bancada da Câmara, para sua coalizão.
Quatro dias após o anúncio, com Carneiro já empossada, o jornal Folha de S. Paulo revelou a ligação da ministra com Juracy Prudêncio, um ex-policial militar condenado pela Justiça do Rio de Janeiro como chefe de milícia na Baixada Fluminense. Ela admite ter recebido apoio político de Prudêncio em suas campanhas, mas nega compactuar com crimes.
Neste texto, o Nexo apresenta um breve perfil da ministra, o que pesa contra ela e quais as reações do governo às revelações trazidas pela Folha.
A trajetória da ministra
Daniela Moté de Souza Carneiro tem 46 anos e é pedagoga. Iniciou sua carreira na gestão pública em 2003, como funcionária concursada da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, cidade à época sob administração do então tucano Cesar Maia.
Entre 2017 e 2018, exerceu o cargo de Secretária da Assistência Social e Cidadania do município de Belford Roxo, no Rio. Ela foi nomeada pelo marido, Waguinho, que assumiu a prefeitura em 2017 após seis anos como deputado estadual.
Ao longo de sua carreira, Daniela Carneiro foi filiada a cinco partidos:
PSC (2003-2011)
PRTB (2011-2013)
PR (2013-2018)
MDB (2018-2022)
União Brasil (2022-atualidade)
As primeiras eleições de Carneiro foram disputadas em 2018, quando foi eleita deputada federal pelo Rio, com 136.286 votos – no pleito presidencial, ela e o marido apoiaram Jair Bolsonaro. Durante a legislatura, foi vice-líder do MDB na Câmara.
Em 2022, Carneiro se filiou ao União Brasil e foi reeleita, com 213.706 votos, tornando-se a deputada mais votada do estado. Aliado do governador bolsonarista Claudio Castro (PL), o casal apoiou Lula no segundo turno da eleição de 2022.
O prefeito de Belford Roxo é presidente estadual do União Brasil e foi o único entre os líderes políticos da Baixada Fluminense a aderir à candidatura petista.
Também é um político da causa evangélica que se dissociou de Bolsonaro. Em 11 de outubro, ele e a esposa organizaram uma carreata para Lula na cidade, na qual estiveram presentes o então deputado estadual André Ceciliano (PT), a deputada federal Benedita da Silva (PT) e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD). Depois da eleição, ele integrou a equipe de transição do novo governo no núcleo de Cidades.
“Quem ama Deus prega amor, verdade, respeito. Isso que nós merecemos. Respeito ao povo e a sua diversidade. Além da experiência, Lula gosta de gente, faz política humanizada, que respeita e quer dar oportunidade. Não vamos permitir que o Brasil viva mais quatro anos de ódio e perseguição”
Daniela Carneiro x Vínculo com miliciano
O vínculo de Carneiro com Juracy Prudêncio foi revelado pela Folha de S. Paulo nesta terça-feira (3). Na campanha eleitoral de 2018, o ex-PM, conhecido como Jura, cumpria regime semiaberto, condenado por homicídio e associação criminosa, e foi ativo na defesa da candidatura de Carneiro e de Márcio Canella, candidato a deputado estadual pelo MDB, partido de ambos àquela altura.
Jura e sua esposa, a ex-vereadora de Nova Iguaçu Geane Prudêncio, chegaram a organizar comício para as campanhas de Carneiro e de Canella, e tiraram fotos com a hoje ministra e seu marido Waguinho.
Em outra foto, em que Carneiro aparece com Jura, ela faz uma legenda de agradecimento ao miliciano e o chama de “liderança”. A publicação, de 2018, foi apagada de suas redes sociais após a reportagem da Folha.
Jura foi preso em 2009, quando já somava 26 anos de pena acumulada pela prática de ameaças, extorsões e homicídio na Baixada.
Em 2018 estava em regime semiaberto porque havia conseguido trabalho na Prefeitura de Belford Roxo, comandada por Waguinho. Mas o miliciano perdeu a liberdade parcial em 2020 quando reportagens da TV Globo e do jornal Extra o mostraram na campanha pela reeleição contra Waguinho.
Em nota sobre o caso, a assessoria da ministra não negou a relação política entre Carneiro e o miliciano.
“Ela ressalta que o apoio político não significa que ela compactue com qualquer apoiador que porventura tenha cometido algum ato ilícito. Daniela Carneiro salienta que compete à Justiça julgar quem comete possíveis crimes”, diz a nota. O texto afirma que Carneiro não tem nenhuma ingerência sobre as nomeações na Prefeitura de Belford Roxo.
Folha secreta e carro para irmã
O nome de Carneiro também foi associado ao escândalo da “folha de pagamentos secreta” da Fundação Ceperj, órgão de formação e capacitação de servidores públicos do Rio de Janeiro. O Ministério Público fluminense acusa o governo Cláudio Castro de usar o órgão para nomeação de funcionários fantasmas e divisão de salários com padrinhos políticos.
Iris Campos Ramalho, foi nomeada assessora no gabinete de Carneiro em março de 2022, mesmo mês em que assumiu um cargo na Ceperj em março de 2022.
Além de fazer parte da folha secreta do órgão fluminense, Ramalho receberia dupla remuneração, algo vedado por lei. Procurada pelo jornal O Globo em agosto daquele ano, Carneiro disse ter exonerado Ramalho imediatamente após o escândalo da Ceperj vir à tona.
Outra pessoa do entorno de Carneiro é investigada. É Djelany Machado, irmã da ministra. Segundo o Ministério Público do Rio, ela recebeu um carro de presente de um empresário que venceu uma licitação suspeita em Belford Roxo durante o mandato de Waguinho.
Os promotores denunciaram em 2018 o prefeito por fraude a licitações e organização criminosa nesse caso, que tramita em segredo na Justiça fluminense. A prefeitura e o Ministério do Turismo não haviam respondido a pedidos de informações do portal UOL até esta quarta-feira (4).
Reação do governo
Lula, que nomeou Carneiro e outros dois ministros indicados pelo União Brasil, não tinha se pronunciado sobre o caso até a manhã de quarta-feira (4). O petista passou a campanha eleitoral associando seu adversário, Bolsonaro, a milicianos, lembrando acusações contra pessoas do entorno do presidente.
Além disso, nomeou como ministra da Igualdade Racial a jornalista Anielle Franco, irmã da ex-vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018 por ex-policiais ligados a milícias.
O ministro da Justiça Flávio Dino, que assumiu prometendo federalizar a investigação sobre os mandantes da morte de Marielle, foi perguntado sobre os vínculos de Carneiro com um miliciano em entrevista ao UOL na terça-feira (3). Ele disse aguardar os esclarecimentos da ministra.
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