Avatares e a nova economia digital redefinem o consumo

Vivemos na era da fragmentação da identidade, onde os indivíduos se reinventam constantemente, moldando-se a partir das plataformas digitais. A ascensão das redes sociais e a integração ao metaverso criaram um novo paradigma: a economia dos avatares. Esse fenômeno reflete as transformações da sociedade e desafia as noções de autenticidade, ética e compreensão do consumidor. Com a multiplicação de "eus" digitais, estamos entrando em um território desconhecido, onde a verdade e a identidade se diluem em múltiplas camadas.

Se antes nos víamos como indivíduos com uma única identidade social e comportamental, hoje somos seres multifacetados, cada faceta operando em um ambiente virtual distinto. No Instagram, somos criativos, muitas vezes curando nossa imagem para corresponder às expectativas de uma audiência global. No LinkedIn, nossa persona profissional é cuidadosamente moldada para transmitir competência e seriedade.

Já no TikTok, a descontração predomina e, nos jogos online, a identidade pode ser totalmente desconectada da realidade – um unicórnio rosa no Roblox ou um personagem agressivo no GTA, por exemplo. Cada plataforma nos exige uma versão de nós mesmos que se encaixe perfeitamente nas suas dinâmicas e expectativas, criando um mosaico digital de múltiplos "eus".

Essa fluidez de identidade cria um cenário complexo para as marcas e consumidores. A segmentação de mercado, que antes se baseava em dados demográficos e comportamentais relativamente simples, agora precisa ser repensada à luz da multiplicidade de avatares que um único indivíduo pode apresentar. As marcas não mais lidam com uma pessoa única, mas com diversas personas, cada uma delas com interesses, comportamentos e até moedas virtuais próprios, dependendo do espaço digital em que se encontram. A economia dos avatares exige que as empresas compreendam e se adaptem a esses universos paralelos, onde a flexibilidade e a personalização serão fundamentais para a construção de uma relação autêntica e relevante com o consumidor.

A transição para esse novo modelo de interação entre consumidores e marcas não será simples. Para alcançar diferentes versões de uma mesma pessoa, será necessário um nível profundo de análise, capaz de identificar as nuances e dinâmicas que definem cada avatar. As marcas precisarão não só entender o comportamento das personas digitais, mas se tornarem fluídas, adaptando sua comunicação, tom de voz, aparência e até mesmo os meios de pagamento conforme o contexto. A inovação em produtos e serviços será direcionada por essa capacidade de personalização e adaptação, permitindo uma experiência mais imersiva e conectada com os desejos e necessidades do consumidor.

Com as oportunidades também surgem desafios significativos. O mais urgente entre eles é garantir a autenticidade em um universo onde a identidade é maleável e volátil. A crescente multiplicidade de avatares levanta questões sobre como as marcas podem assegurar que estão se conectando verdadeiramente com o consumidor, sem cair nas armadilhas da superficialidade ou da manipulação.

O risco de distorção na relação entre as partes aumenta, já que o consumidor, ao transitar entre diferentes identidades, pode se tornar mais difícil de compreender e até mesmo de confiar. Como garantir que uma pessoa não esteja adotando uma falsa identidade ou, em um nível mais profundo, não esteja sendo manipulada por interesses mercadológicos de forma disfarçada? Este é um problema ético e prático que as marcas vão precisar resolver.

Outro ponto é a saúde mental dos consumidores, que se apresenta como uma questão crítica. A alternância constante entre identidades virtuais pode afetar a percepção de si mesmos, tornando mais difícil para os indivíduos manterem uma visão coesa e integrada de quem realmente são.

A multiplicidade de "skins" pode criar uma sensação de fragmentação existencial, onde a linha entre o que é real e o que é digital se torna cada vez mais tênue. Isso tem implicações profundas sobre como os consumidores interagem com as marcas e como as próprias marcas devem construir suas narrativas para evitar uma desconexão emocional com seus públicos.

A economia dos avatares exige uma reflexão mais ampla sobre os princípios que irão guiar nossas interações digitais. Adaptar as marcas a essa nova realidade não é o bastante, afinal, é preciso garantir que a experiência do consumidor seja segura, transparente e autêntica, respeitando as complexidades das múltiplas identidades que ele assume.

À medida que as fronteiras entre o mundo real e o digital se tornam cada vez mais difusas, as empresas terão de aprender a navegar neste território com sensibilidade e responsabilidade, oferecendo produtos e serviços com experiências que se conectam de forma genuína com as pessoas, em toda a sua complexidade virtual.

Sobre a autora:

Flávia Fernandes é jornalista formada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), professora de língua inglesa e especialista em inteligência artificial pela PUC Minas e Faculdade Exame. Apaixonada por comunicação e inovação, investiga as conexões entre tecnologia, sociedade e o cotidiano.