"Se fosse só sentir saudade. Mas tem sempre algo mais. Seja como for. É uma dor que dói no peito."
Esse trecho da música Angra dos Reis, da extinta banda Legião Urbana, fala sobre a quebra de laços afetivos que levam ao afastamento físico, mas que abalam diretamente o coração e a saúde mental.
É a "Responsabilidade Afetiva", uma espécie de alerta para que você saiba que o que fazemos tem consequências na vida de quem está ao nosso redor.
De acordo com o psicólogo Alejandro Schujman, atrás de uma tela eletrônica existe alguém que sonha, que vive, que anseia, que espera, que deseja e que já sofreu. Cuidar e ser cuidado é a ação essencial do amor visto como saudável.
Alejandro é sucesso nas redes sociais, atuando como psicólogo especialista em família.
Desaparecer, deixar de responder ou bloquear diretamente alguém sem aviso prévio nas redes é conhecido, há algum tempo, como “ghosting” (termo em inglês derivado da palavra ghost, que significa fantasma). Os psicólogos admitem que a tecnologia apenas acelerou e facilitou o que já existia no mundo real.
A ação de sumir sem nenhuma explicação anda de mãos dadas com a irresponsabilidade emocional, com o não levar em conta os sentimentos do outro.
Os especialistas afirmam que o avanço das redes virtuais, envolvendo, muitas vezes, pessoas desconhecidas, facilita a possibilidade de “desaparecimento”, situação que acontece não só nas relações afetivo-sexuais mas também nas amizades e vínculos de trabalho.
Desobrigadas a mostrar o corpo e o rosto, muitas pessoas se sentem livres para agir a partir de uma espécie de anonimato, avalia a psicóloga Claudia Ghersevich:
"É mais fácil se desconectar do outro, e também é uma forma de se desconectar daquilo que mobilizaria a pessoa para enfrentar o conflito. É uma maneira rápida de terminar algo com o que você não quer lidar. O contato desaparece, o conflito desaparece", reforça a especialista esclarecendo que essa decisão de sumir é consciente.
Semanalmente a psicopedagoga Cicera Dias atende, em média, 10 adolescentes que estudam em escolas públicas e privadas da Grande Vitória.
Segundo ela, "com as personalidades em formação, hormônios em ebulição e um vasto leque de amizades virtuais, bloquear e excluir tornaram-se as novas ferramentas de vingança", avalia.
Ainda segundo ela, meninos e meninas estão adoecendo por causa disso. "Depressão, autoestima em baixa, dificuldade de se relacionar e solidão são só algumas das possibilidades que a exclusão/bloqueio podem trazer", afirma.
Medicina e ansiedade
Bloqueada pelo próprio pai após uma discussão por causa das eleições presidenciais, a médica Karina Lufan, 35 anos, entrou em depressão.
"Era sábado e o segundo turno seria no outro dia. A gente já vinha se estranhando por conta dos candidatos diferentes. Mas no domingo ele mandou mensagem que não teria almoço após a votação, como fazíamos disse quando eu era criança. Depois das 8 da manhã ele me bloqueou, que é a hora que ele vota. Eu fui na casa dele e ele não atendeu a porta. Isso me matou por dentro".
Sem contato com o próprio pai, que insistia em não atender, a médica viu seu desempenho na medicina desabar. Acabou perdendo pacientes e adoecendo.
"Isso foi de outubro para cá. É bem recente. Ele ainda não me desbloqueou, mas conseguimos conversar pessoalmente. É uma dor terrível saber que quem você ama não te quer por perto", afirma.
Para o especialista em relacionamentos, Marcos Pedruzi Ian, é preciso ter calma e respeito para com o outro.
"Não quer mais, explique seus motivos e afaste-se. Não abandone sem uma explicação. Somos seres cognitivos. Precisamos de diálogo. Mas também não insista. Isso é empoderar o outro e tornar a relação doentia e tóxica", aconselha.
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