Flávia Fernandes
Lembro-me dos primeiros anos das redes sociais, quando a promessa era clara: conectar pessoas, ampliar horizontes e democratizar o acesso à informação. Essa utopia digital, tão revolucionária quanto ingênua, foi soterrada pelo peso dos algoritmos, que hoje ditam o que vemos, o que discutimos e até o que ignoramos. Como se o usuário fosse incapaz de escolher por si mesmo.
O Twitter, agora X, talvez seja o caso mais emblemático desse fracasso. Quando Elon Musk comprou a plataforma, esperava-se uma nova era de liberdade e dinamismo. A realidade foi outra. O que antes era uma arena vibrante de ideias se transformou em um terreno baldio de desinformação, priorizando interesses comerciais e pessoais do novo dono. O feed "Para Você", longe de refletir as preferências do usuário, reflete a visão distorcida de Musk.
Enquanto isso, a Meta, com seu Threads, repetiu a fórmula e prometeu ser a "alternativa limpa" para os órfãos do Twitter. Errou na dose e na leitura do cenário. O afastamento deliberado de notícias e política, um movimento de aversão ao conflito, faz do Threads um espaço asséptico, mas completamente irrelevante. Em uma época em que o mundo pulsa com acontecimentos diários de impacto global, uma rede social que fecha os olhos para a atualidade se torna quase obsoleta.
O Bluesky, por sua vez, emerge como uma alternativa interessante. Criada por Jack Dorsey, cofundador do Twitter, a plataforma é uma tentativa de resgatar a experiência original das redes sociais: uma linha do tempo cronológica e livre, onde o usuário decide o que quer ver. Simples e eficiente, o Bluesky tem atraído pessoas que desejam escapar da lógica algorítmica e discutir temas relevantes em tempo real, sem interferências ou filtros forçados.
A lição do Bluesky é clara e poderosa: a cronologia e o livre-arbítrio ainda importam. Uma linha do tempo organizada pelo tempo e pelas escolhas do usuário, sem imposição algorítmica, parece um retrocesso? Talvez, mas é um retrocesso que funcionava. Durante as eleições americanas, enquanto o Threads entregava postagens antigas e desconexas, o Bluesky mostrou o que realmente importa: agilidade, relevância e confiança no usuário.
O problema, no entanto, vai além das redes sociais: é um alerta sobre como a tecnologia vem sendo desenhada nos últimos anos, priorizando o controle sobre a experiência do usuário. Em nome de "melhorias", somos cada vez menos donos de nossas escolhas. Os feeds algorítmicos, muitas vezes celebrados como o auge da inteligência artificial, provaram ser incapazes de acompanhar as necessidades de um público dinâmico e informado.
Se o sucesso do Bluesky nos ensina algo, é que a simplicidade ainda é um valor. O retorno à cronologia, à transparência e à liberdade de escolha não é um capricho saudosista, mas uma demanda legítima. As grandes plataformas deveriam prestar atenção. Redes sociais que ignoram o que o público quer — informação de qualidade, relevância e autonomia — estão fadadas ao desgaste.
A partir do dia 15 de janeiro, convido você a continuar essa conversa comigo na coluna semanal sobre inteligência artificial no portal Rede de Notícias. Vamos explorar, juntos, como a tecnologia pode (e deve) caminhar em favor de quem mais importa: o ser humano.
Te espero em janeiro. Até lá!
SOBRE A AUTORA
Flávia Fernandes é jornalista formada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), professora de língua inglesa e especialista em inteligência artificial pela PUC Minas e Faculdade Exame. Apaixonada por educação e inovação, explora as conexões entre tecnologia, sociedade e o cotidiano.
@flaviaconteudo
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