Uma das marcas da sociedade brasileira, é a grande dificuldade em organizar os espaços e as suas atividades coletivas.
Não temos como característica a ordem, como os alemães ou ingleses, por exemplo.
Afinal, somos filhos de povos ibéricos, tradicionalmente menos ligados a esse tipo de questão.
Nem mesmo os órgãos públicos conseguem planejar suas intervenções na maioria das cidades.
As prefeituras asfaltam, as companhias de águas e esgoto escavam crateras nos dias seguintes.
Conserta-se, e logo depois vem outra empresa e perfura novamente. Dei apenas uma amostra do que vivemos em nosso dia-a-dia.
Além disso, estamos às voltas com atrasos nos horários, calendários e cronogramas que raramente são cumpridos.
Paradoxalmente, temos uma grande organização em outro gênero de eventos, como o das escolas de samba no carnaval.
Trato, em especial, das escolas do maior carnaval brasileiro em que elas estão presentes, no Rio de Janeiro, mas avalio, também, Vitória. Aqui, na capital, desde que, o então prefeito Luiz Paulo Vellozo instituiu a antecipação do desfile das escolas de samba para uma semana antes da data oficial do carnaval, esse evento só tem crescido e melhorado.
Sempre fiquei intrigado esse elemento da nossa cultura. Na Marquês de Sapucaí temos um espetáculo que é um dos maiores eventos turísticos do mundo.
Há contradição entre a desordem nas atividades mais simples do nosso cotidiano – como os horários das reuniões ou o início dos eventos sociais – e a complexa organização dos desfiles, onde tudo funciona com perfeição.
Não deve ser simples colocar todo aquele aparato de enormes carros alegóricos, milhares de pessoas, ou a bateria, na avenida. E tudo conduzido de forma cronometrada, dentro de princípios bem rigorosos de organização.
Não quero avançar na análise do carnaval como festa popular, o que já foi feito, aliás de forma magistral, pelo antropólogo Roberto DaMatta em seu clássico “Carnavais, Malandros e Heróis”.
Quero apenas me aventurar, numa tentativa de explicar a organização das escolas de samba. Acredito que um caminho explicativo é a importância que o desfile tem na vida de cada um dos envolvidos. O desfile é uma obra coletiva, importante para todas as milhares de pessoas partícipes do processo. É preciso ter ações integradas, sem as quais o evento fica inviável.
É impossível pensar em um desfile desses, organizado de forma autoritária. Os sorrisos e a graça seriam destruídos pelo peso das tarefas de cada um.
O sucesso do empreendimento pode tentar ser explicado pelo caráter coletivo e democrático de sua organização, e pela espontaneidade das participações. Conta, também, a importância pessoal e social que o evento tem na vida de todos.
Muitos de nós conhecemos a história do trabalho e também das instituições sociais brasileiras. Elas nasceram imersas em um imaginário social autoritário e excludente.
No início, pelo trabalho forçado dos escravizados. Pela forma tardia, e também imperiosa como as leis que garantiram o trabalho livre foram construídas.
Depois, a incrível mania que tem as nossas elites de importar modelos de outras sociedades, sobretudo a norte-americana e a europeia.
O contraste entre as duas formas de organizar o mundo: uma pela motivação e pelo prazer da colaboração coletiva e, a outra, pelo autoritarismo centralizador que elimina a importância de cada pessoa nos processos, é uma dica para avaliar o caso de sucesso de organização do nosso carnaval, imerso no prazer.
Não é o único evento bem sucedido, apenas o mais visível. Vejo muito disso nos coletivos juvenis, nas celebrações da cultura popular e em muitos espaços onde está ausente – por puro desinteresse, o poder público.
Enquanto não avançarmos nessa discussão estaremos fadados a ser um país menor do que poderia ser.
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